Relatório de viagem: Oriente - Alferrarede
Escrevo, pela primeira vez, um artigo em papel.
Coisa gira, esta.
Mais idiota ainda se pensarmos que vou ter de transcrever isto em computador.
Ainda assim, escrevo porque o momento é oportuno: estou no comboio.
E andar de comboio, convenhamos, é um bocado secante.
Porque não há nada para fazer.
Andar de comboio é como o futebol: há vários escalões.
Desde os campeonatos locais, que na CP significam "Suburbanos", até à SuperLiga, aqui conhecida como "Alfa-Pendular", a analogia entre a rede ferroviária e o futebol será sempre bem conseguida.
Senão reparem nesta bela analogia:
Nos comboios, nós não temos acesso directo à Liga dos Campeões! Não!
Porque a Liga dos Campeões é o TGV!
Encontro-me, portanto, num Regional. E, tal como no futebol, também nestes regionais há coisas peculiares.
Porque é que raio as pessoas vão a conversar num determinado tom e, quando dizem algo mais obscuro, falam mais baixinho?
"Ah, o Pereira arranjou lá um esquemazinho, pá... sem recibos e tal... não há fisco que o agarre!"
Para quê dizer baixinho? Eu nem conheço o Pereira!
O Pereira de Vila de Rei será diferente do Pereira da Barquinha, caros passageiros do comboio que falam em constantes sussuros!
Eu acho que os portugueses falam em baixo tom, não para esconder a conversa dos outros, mas sim para cativar a atenção deles!
Porque, sejamos sinceros, nós somos todos uns curiosos! Todos!
Se uma senhora gritar em voz alta no comboio: "A Esmeralda traíu o Francisco com o padeiro!"
Toda a gente reclama: "Epá, fale baixo que eu vou aqui a fazer tricot!"
Mas se a mesma senhora sussurrar isso, toda a gente irá afinar o seu ouvidinho para conseguir ouvir tal fofoquice...
Mas esta história da curiosidade é real!
O nosso primeiro-ministro é tão curioso acerca dos restaurantes e bares que até criou a ASAE, amigos!
No entanto, a curiosidade às vezes é boa. Porque traz com ela uma dose de saudável preocupação.
Quando o Correio da Manhã diz ao país que José Castelo Branco vai fazer um musical, isso não é cusquice... É preocupação! E é com os nossos ouvidos!
Num Intercidades (Sim, caros leitores, esta conversa começou com os comboios...) nada disto acontece.
Não há conversas em baixo tom.
Apenas pessoas a pensar na vida, no trabalho e no que fará no dia seguinte.
E, olhando para a produtividade do nosso país, muita gente anda de Intercidades todos os dias, sempre a pensar no que fará amanhã, e sempre sem concluir nada.
Abaixo com os Intercidades que a classe trabalhadora, que fala em baixo tom, está toda nos Regionais!