[Mais um apontamento político.]
Em todos os postos da sociedade portuguesa há pessoas comuns.
E ser comum, diga-se, não é mau de todo.
Eu, por exemplo, não me importava nada de ser um milionário comum.
Ou um bígamo comum.
(Desde que as duas espécimes femininas fossem sobejamente interessantes, claro. Espero que isso faça parte do "comum" dos bígamos.)
Também na classe dos autarcas portugueses já existe a definição de comum.
Um, digamos, comum autarca português(CAP)!
Um CAP é, em geral, uma pessoa com uma visão reduzida ao raio médio do município que supostamente serve.
(Nunca a existência da palavra "supostamente" numa frase teve tanto sentido.)
E como é que um CAP chega ao seu poleiro? Bom... Para isso há várias opções, dependendo do município em análise.
Regra geral, nos municípios mais industrializados, mais populosos e com mais serviços para a população, o CAP chega ao seu poleiro através da sua aproximação junto de pessoas influentes, pessoas essas que querem o CAP no poder apenas para tirarem proveito dele.
(Jogos de influências? Não. Apenas bons amigos... Carmona Rodrigues e Domingos Névoa até andaram na mesma escola!)
Já nos municípios onde não existe um tão grande frenesim económico (A grande maioria, diga-se), o CAP precisa de cativar o seu eleitorado. E é aqui que a coisa corre mal.
(Quem é que disse que os jogos de influências eram maus? Caramba, esses magistrados... Sempre com a mania de cumprir as leis! Azar, Felgueiras, azar...)
E corre mal porque nestes municípios, em geral, há três tipos de eleitorado:
- Aquele que se está a lixar para a política, e em geral toma uma de duas decisões: ou vota no partido que está no poder há mais de 20 anos sem dar atenção às pessoas que está a eleger ou aos projectos que defende(É este o eleitorado que decide as eleições) ou então não vota (é este o eleitorado que dá origem à grande abstenção);
- há também os que se interessam pelo desenvolvimento do município e que, a seu lugar, se juntam à oposição (ou, em raras e muito peculiares situações, ao partido dominante da zona) mas que passam a sua carreira política a escrever opiniões em jornais e blogues;
- e há os que têm os interesses envolvidos, porque um primo tem uma costrutora ou a tia afastada tem uma empresa que faz souvenirs muito giros de se colocarem no escaparate lá em casa.
Como o CAP sabe que não são os atentos nem os capazes que decidem as eleições, ele decide atacar a grande frente decisória do eleitorado: os que se estão a lixar para a política.
E é neste processo quase maquiavélico que surge a palavra "caciquismo", que em geral vigora nos dicionários depois de "cacique" e antes de "caciz".
E como é que se cativa este eleitorado? Basta fazer coisas visíveis... Geralmente, colocar alcatrão a cada 10 anos em todo o concelho, jardinar um pouco os principais aglomerados populacionais e oferecer transporte às populações idosas, que tão bem agradecem a boleia e tão bem retribuem nas próximas autárquicas.
E depois também há o magistral movimento demagógico do CAP: Sempre que o poder central toma alguma decisão acerca do seu município e que o CAP não concorda, responde sempre com uma das duas frases possíveis:
- "O Governo está contra nós", demonstrando assim junto do seu desinteressado eleitorado que o CAP preocupa-se é com as gentes da terra e não com os interesses políticos (Nota: talvez os jogos de influências fizessem algo mais...).
- "Eles não conhecem a realidade no terreno", provando assim cabalmente que não percebe a forma como as decisões são tomadas no Governo.
Sim, porque bem vistas as coisas, só Portugal Continental tem 308 municípios! E um ano comum tem 365 dias.
Portanto, se um ministro passasse um dia em cada concelho só para conhecer "a realidade no terreno", ficava apenas com 57 dias de sobra para o seu primeiro ano de mandato!
E isto sem contar com fins-de-semana, feriados e, claro, as férias em Cabo Verde, tão bem apanagiadas noutros tempos por Morais Sarmento.
E um dia chega para conhecer a realidade do terreno?
Ainda ontem quis ir de uma aldeia de Vila de Rei a outra e tive dúvidas qual era o melhor trajecto! E já cá ando há alguns anos...
Conseguirão os ministros discernir sobre isto numa só visita?
Mas mesmo assim, como o eleitorado que decide as eleições é frágil e desinteressado, o CAP lá se vai mantendo no lugar... E o país, que toda gente se queixa que está feio, mantém-se na mesma trajectória.
A culpa, essa não é do CAP, coitado... Em todos os sistemas de governação houve e haverá quem deles se queira aproveitar!
A culpa é do eleitorado, que insiste em não se preocupar no seu sentido de voto nem no que ele pode fazer...
[Eu tenho de jurar a mim próprio que nunca mais escrevo sobre política neste blog. Mas, bolas, às vezes sabe bem desabafar um pouco...]